[C-X] O ponto 'X' do mapa

Era minha primeira vez nessa cidade. A última vez que passei por aqui fora tão rápida, que não era de se considerar que um dia a visitei. As ruas estavam mais abertas, aqui, se notava uma população composta, em sua grande parte, por mulheres. Notoriamente, de longe dava para avisar um pouco da estrutura da Guilda de Mermaid Heel, a guilda de mulheres. Existiam muitas lojas de roupas e armas pelas ruas, mais do que em Balsam, o problema era tentar encontrar duas garotas no meio de toda aquela multidão, e o pior, sem saber como elas realmente eram.

Aglomerado de pessoas, como se fossem formigas unindo-se em satisfação da rainha. A passagem estava tomada pela presença dos homens, que seus sons involuntários e fora do comum, mostravam mais serem irracionais do que pessoas sãs. Ficou claro desde o princípio que minha passagem era impossível, pois os corpos estavam pressionando uns aos outros, como se todos estivessem brigando por um espaço que não tinham. Dentre tantas cabeças, tantos cabelos em movimento constante, se via naquele centro bem aberto, comparado ao que o rodeava, as duas companheiras de Guilda. Como parar tanto barulho desproporcional ao momento em poucos segundos?


Um barulho peculiar frequentava o ar em segundos contados, no tempo de um para o outro, aquele barulho retomava-se para calar tantos sons banais e desnecessários feitos pelos homens. Todos se viraram e fintaram-me, alguns deles com a boca entreaberta e com os olhos esbugalhados, em sua íris, uma imagem estranha nunca vista antes. A distância me atrapalhava de distinguir o que a figura representava— Garotas ... — Os homens abriram espaço direto à elas, como se fossem ordenados a isso, entretanto, nenhuma palavra foi dita à elas. Lá estavam, paradas e ainda não notavam minha presença. Meus passos vagarosos e sutis estavam tomando rumo, mas sem tanta proximidade, pois o recado de reluta de Heishiro-San ainda martelava na memória  — Preciso falar com vocês duas em particular — Puxando a gola da camisa de forma cuidadosa, mostrava à elas - em caso notório de ambas as partes - a marca da Guilda. Visando que as pessoas que nos rondavam eram aqueles pseudos humanos racionais, não teria problema em mostrar.

Tão nítidas quanto peixes em água clara, as duas companheiras de Guilda estavam logo adiante. Suas personalidades eram algo bem distinto, visando que a menor teria mostrado uma maturidade maior do que aquela mais velha em posição. Sutilmente ela se aproximou, gentilmente com um sorriso estampado mostrando a característica bela de uma garota. Desde os acontecimentos do meu passado, faziam anos desde que fiquei tão próximo de uma garota. Em meio à tanta gente, dava pra notar o desconforto que sentia, porém, meu trabalho deveria ser levado à serio. Definitivamente, como já disse Heishiro-San, aquela garota parecia ser bem mimada, onde o tempo só poderia se mover quando ela quisesse; o ponteiro andava na numeração que ela pretendia.


Caminhava em direção daquela garota, rodeada de rapazes. A cada passo mais próximo, eles serravam os dentes como cães protegendo sua dona. Minha proximidade poderia significar um perigo além da conta, mas de fato, estava preparado com minhas cartas — Miku-Chan, o senhor Heishiro pediu para que te entregasse essa carta. Ele disse que é muito importante que a tenha em mãos — Erguia a carta selada em direção da garota, aguardando que ela a recebesse com segurança — Me desculpe a demora pra responder, Yuki-Chan, mas sim, foram ordens diretas do mestre — Com o corpo ainda voltado para Miku, porém, virando um pouco da cabeça para fintar Yuki, mantive um sorriso amigável estampado, passando não apresentar perigo algum para ambas.

A infantilidade aquela garota me incomodava um pouco, devo confessar, ela era uma versão menor e um pouco mais irritante da Adhara. Que infelicidade seria de morrer ali, estar tão próximo de um objetivo e encontrar o caminho para luz. Ter algo precioso nas mãos e não poder alcançar, saber que toda a caminha foi em vão até aqui só traria desgosto, afinal, várias lutas teriam sido travas, outras, já tinham sido. Que infelicidade, mas isso tudo era infelicidade dela, não minha.


Rapidamente aquela garota sacou uma guitarra, sua companheira, Yuki-Chan, veio me avisar para ter cuidado — Não se preocupe, Yuki-Chan, você estará segura comigo — Um sorriso se formou em meus lábios, aquele momento se tornou nostálgico, afinal, sua feição se alterou para a do mestre dos jogos novamente. Antes que pudesse se notar, haviam quatro cartas jogadas ao chão — Esse jogo é proibido para menores de idade, Miku-Chan — Sua personificação demoníaca voltava. Os olhos vazios, o sorriso endiabrado e até o tom de voz, de fato, o tabuleiro que chamamos de inferno estava diante dos olhos — Ohn, a guitarra está desligada? Acho que faltou algumas aulinhas, Miku-Chan — Fintava-a enquanto debochava

Era tudo uma surpresa, o clima tenso teria se transformado em algo favorável para ambos os lados. Aquele beijo em meu rosto, por alguns instantes, havia tirado o momento de foco que havia depositado na situação, entretanto, tudo terminou com a gratidão e despedida. Sozinho naquele lugar, limpei o local do beijo com a manga da camisa e vi homem à homem voltarem a sua forma sã. A magia que estava enfrentando era algo hipnótico, óbvio, afinal o transe teria terminado no momento em que ambas partiram; vide a distância.


Sem delongas, virava-me de costas e ia em direção a Guilda. Meu dever havia sido completado.